Hera Simões

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A Enteada

Aviso: esse conto é NSFW. É também meio esquisito.

Ela já havia se decidido. Ia matar sua enteada.

Havia pensado em tudo, mas não via mais escolha. Não sabia como poderia sair desta situação se não fosse cortando o problema direto na raiz.

Camila não era uma pessoa violenta. Nunca havia se envolvido em briga quando era adolescente, mesmo quando outras garotas a ameaçaram, mesmo quando teve o cabelo puxado e golpes desferidos no rosto após roubar o namorado de outra. Não era esse tipo de pessoa e acreditava que escolher não descer o nível ao lidar com pessoas dessa laia era muito mais satisfatório do que vencer uma briga. Além do mais, já era uma mulher, não uma criança brincando de usar salto alto. Não entrava mais em brigas.

Mas, agora, não tinha opção. Era isso ou toda sua vida, tudo por que ela havia lutado todos esses anos, escorrendo pelo esgoto.

Não tinha opção. Dondoca ia morrer.

Ela havia convidado a garota para um jantar a sós. Antes que pudessem se sentar, ia cravar um tiro do lado de sua cabeça. Forjar um suicídio. Era um bom plano. Ela sempre foi problemática. Ninguém da família gostava muito dela. Quem duvidaria qualquer coisa?

Dondoca estava atrasada. Camila já estava acostumada com seus atrasos eternos e, ainda assim, conseguia ficar irritada. Não se conformava na falta de respeito com o próximo.

Ela sempre havia sido uma garota estranha. Não era muito mais nova do que Camila; afinal das contas, seu marido sempre havia preferido as novinhas. Ele poderia envelhecer o quanto fosse, mas suas mulheres haviam parado na casa dos 30 há muito tempo.

Dondoca gostava de flertar com Camila. Quando se conheceram, Camila já estava noiva de João e ainda assim ela percebeu o olhar da garota descer até o colo de Camila. Ela nem tentava disfarçar direito. Apesar do calor, Camila colocou a jaqueta, incomodada, e Dondoca perdeu interesse, focando em uma das garçonetes do restaurante. Mesmo assim, sentia o olhar da menina de vez em quando, procurando, querendo que tirasse a jaqueta. Quando não conseguia dormir a noite, era esse par de olhos verdes que assombrava Camila.

Camila ficou feliz de não precisar ver Dondoca com muita frequência. A garota só aparecia em ocasiões especiais, como seu casamento, ou quando estava precisando de dinheiro. Sempre que a via, Camila se sentia desconfortável. Sentia sempre seu olhar, aqueles olhinhos lhe perseguindo pela casa, escutava um sentido duplo em cada uma de suas palavras. Não sabia dizer até que ponto isso tudo estava acontecendo de verdade.

Até que, um dia, o relacionamento das duas mudou. Foi em uma das ocasiões em que Dondoca precisava de dinheiro.

— Bom dia, dona Camila — Dondoca entrou na cozinha com seu bom humor de sempre, sorrindo quando percebeu a leve tensão nas costas de Camila ao ser chamada de "dona". — E meu paizinho?

— Já saiu para trabalhar.

— E meu irmãozinho?

Camila pausa, apenas a observando com a caneca na mão.

— A Neide está arrumando ele.

— Então estamos a sós — a loira sorriu, se aproximando de leve da madrasta. Estava de pijama ainda e não disfarçava o olhar na babydoll de Camila.

Camila tentou esconder um leve tremor.

— Não por muito tempo. Eu tenho mais o que fazer. — Fez como se fosse sair, mas Dondoca pegou seu pulso, forçando-a a ficar no lugar. As duas se encararam, os olhos de Dondoca caindo nos lábios carnudos de Camila por um segundo, o único som vindo do quarto, onde Joãozinho briga com a empregada. — O que você quer? — pergunta, apesar de não fazer muito esforço para se soltar.

— Conversar — Dondoca deu um sorriso críptico. Camila sentiu aquele tremor novamente. Não sabia o porquê, mas se sentia encurralada.

— Diga — a madrasta suspirou, chacoalhando-se de leve. Dondoca liberou seu pulso.

— Um passarinho azul me contou algo muito interessante — Dondoca continuou sorrindo, mordendo de leve o lábio inferior, igual à uma criança prestes a ganhar o presente que havia pedido de Natal. — Eu quase não acreditei.

— Fala logo, garota!

Dondoca se aproximou. Instintivamente, Camila foi para trás, mas seu corpo logo se encostou na bancada da cozinha. Ela não tinha muito escapatória do corpo magro e alto de Dondoca.

— Meu paizinho... — Ela começou, sem conseguir esconder sua jubilação em cada palavra. — Ele sabe que você transa com outro?

Camila gelou. Por alguns segundos, não soube como reagir. Mentir? Não, o rosto de Dondoca já deixava claro que isso não era uma pergunta casual. Contar a verdade? Em uma família de cobras, Dondoca era a mais venenosa. Linda feito uma princesa, mas ainda pior do que todos os príncipes que vieram antes. Não podia confiar nela por nem um segundo.

Dondoca se aproximou ainda mais. Camila agora sentia sua respiração na dela. Sentia o cheirinho da pasta de dente da garota. Não gostava nem um pouco disso.

— Sabe? — ela tenta novamente.

— Isso não é da tua conta — é o que Camila conseguiu dizer e imediatamente se arrependeu. Realmente não conseguiu pensar em mais nada?

— Mas claro que é — Dondoca riu. — Coitado do meu pai, Camila. Imagina se ele soubesse... Já tem o coração ruim...

— O que você quer? — Camila a cortou. — Seu pai controla tudo, eu não tenho dinheiro...

Dondoca faz "tsc" com a boca.

— Eu quero algo que estou querendo há anos... — Seus olhos voltam aos lábios de Camila.

— Você está louca — Camila diz, afastando seu rosto de leve. Ignorou a sensação esquisita que sentiu, a mistura de medo e adrenalina com tesão. Sentiu seus mamilos ficarem duros por trás do pijama e rezou para que Dondoca não percebesse.

— Você que está. Tem o casamento perfeito, todo o dinheiro do mundo, e arrisca tudo com um amante. Um conquistadorzinho barato. — Vendo que Camila não se mexeu mais, Dondoca se arriscou, pressionando um beijo de leve na sua bochecha. Ao ver o tremor da madrasta, ficou mais ousada, pressionando outro beijo no seu queixo.

— Dondoca, meu filho está no quarto ao lado. Pode sair de lá a qualquer momento — Camila implorou, sem se mexer. — Seu irmão — tentou, apesar de saber que era fútil. Soou até patético aos seus ouvidos.

Dondoca fingiu que não ouve, descendo seus lábios até o pescoço de Camila. Quando subiu novamente, pegou no cabelo da madrasta com as duas mãos.

— Então me dá o que eu quero.

— Aqui? Agora?

— Eu aceito só uma prévia.

Camila queria sair logo dessa situação; ou talvez estivesse desesperada com a ideia de seu marido descobrir sobre seu amante; ou, mesmo, estivesse excitada. Não soube dizer o que estava sentindo. Mas fez o que Dondoca queria. Voltou seu rosto à frente do dela e deixou que a menina lhe beijasse.

Foi um beijo curto, rápido, mas molhado. Dondoca fez questão de descer a mão até sua bunda enquanto se beijavam.

A partir daquele dia, a vida de Camila virou um inferno. Dondoca tinha provas; uma amiga sua havia visto Camila e o amante, e Dondoca conseguiu que ela tirasse fotos dos dois juntos.

Camila vinha do nada; de uma cidade pequena; de uma família grande. Pagava as contas dos pais, de alguns dos irmãos, do primo mais velho. Ajudava o amante de vez em quando. Não trabalhava desde 2015. Dependia de João para tudo. Não podia perder esse casamento, perder a grande chance de sua vida.

Então fazia o que Dondoca queria. Lá dentro, não sabia dizer se, talvez, gostasse de tudo. Quando Dondoca lhe procurou novamente, Camila aceitou o beijo na boca. Não reclamou muito quando Dondoca pegou nos seus peitos, massageando seus mamilos por cima da roupa. Era melhor que o marido, certamente. Não saberia dizer se era melhor que o amante; mas certamente era mais intrigante.

Mas a situação estava matando sua saúde mental. Agora que havia aberto a porta, Dondoca queria acesso à Camila vinte quatro horas por dia. Antes, pelo menos tinha a decência de esperar a casa estar vazia. À pedido de Camila, não fazia nada se Joãozinho estivesse por perto. Mas a garota começava a ficar mais inquieta. Passava a mão na bunda de Camila enquanto seu pai estava distraído; como brincadeira, perguntava a ele se conhecia "todos" os amigos de Camila.

E, na cama, havia ficado mais aventureira. Em certa ocasião, enquanto chupava o peito da madrasta, chamou-a de "mamãe". Na hora, Camila não processou a situação direito; mas, depois, se sentiu mal, enojada, até vomitou no banheiro. Toda vez que transavam, Camila se sentia suja. Não conseguia mais ficar com o amante, fingir prazer com João, ou até mesmo se tocar. Seu mundo inteiro era Dondoca.

O estopim foi quando Dondoca gravou sua noite juntas. Não avisou Camila até o final, quando, feliz da vida, anunciou que havia mais algo para garantir que Camila "fosse sempre sua". A madrasta havia visto o celular no cantinho do quarto, é verdade; desconfiou de Dondoca imediatamente; mas, então, a boca de Dondoca chegou na sua calcinha, e ela acabou se distraindo, colocando as mãos no cabelo da menina.

Então, hoje, iria matá-la. Havia pego a arma que João deixava trancada no escritório. Tinha tudo planejado. E se João descobrisse... talvez conseguisse reverter a situação. Contar uma versão da verdade. Ele nunca havia gostado da filha "sapatona" mesmo.

Camila ouve o ping! do elevador. Dondoca chegou no apart-hotel alugado apenas para as duas. Em menos de cinco segundos, estaria abrindo a porta. Camila precisava estar pronta. Sentiu o nervosismo na ponta dos dedos. Seria mesmo capaz disso?

— Olá, dona Camila — Dondoca disse ao entrar.

Camila sacou a arma.

Nota da Autora:

Baseado nos contos do Nelson Rodrigues.

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