Hera Simões

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Sandro Barbosa do Nascimento

Minha irmã me manda uma foto dos meus sobrinhos vestidos com orelhas de coelhinho. Foi uma comemoração de Páscoa na escola. Os dois sorriem, fazem caretas, mostram os dentinhos tortos.

São dois meninos lindos. Loirinhos, olhos claros, pele cor de leite. Vêm de família classe média, “boa”. Estudam desde que fizeram um ano. Já sabem o abecedário e a contar até dez. Contam-me que borboleta em inglês é butterfly, e que abelha é bumblebee, com muito orgulho.

Não consigo olhar para eles e apenas os ver. Vejo você também.

Você algum dia também sorriu desse jeito? Vestiu-se de coelhinho? Alguém também tentou te ensinar o abecedário e as palavras em inglês? Ou você nunca teve a chance?

Você dormiu no asfalto desde cedo, não é? Conheceu a violência desde cedo, a fome, o calor, a indiferença, a morte. Conheceu um mundo que criança nenhuma deveria conhecer. Teve que se acostumar, virar parte desse mundo, antes que ele te consumisse.

Acostumou-se tanto que não soube mais dormir em um colchão. Transformaram-te em um nada até você não ter opção a não ser aceitar que era um nada, até você não ver opção a não ser obrigar o Brasil a te ver. A lembrar que você existe, que você não é um nada.

Quando eu saio com meus sobrinhos, os sorrisos são constantes. As pessoas param e os elogiam, querem fazer gracinhas, acham adorável quando eles ficam com vergonha e se escondem atrás de mim.

Alguém já sorriu para você?

Você sequestrou um ônibus inteiro. Fez pessoas inocentes de refém. Quis que as pessoas te vissem pela força, pelo único jeito que haviam te ensinado.

Você acha que funcionou, Sandro?

O Brasil inteiro conheceu seu nome, é verdade. Mas você morreu poucas horas depois.

Foi chamado de marginal, bandido, criminoso. Uma multidão inteira quis te linchar. Um grupo de policiais te enforcou, mesmo após ter te rendido, e ninguém chorou. Sua morte trouxe sorrisos.

Você acha que seria justo dizer que isso tudo foi culpa sua, Sandro? Que você escolheu esse caminho?

Meus sobrinhos certamente não seguirão este caminho. Estudarão. Farão faculdade. Começarão a trabalhar cedo. Se algo interromper essa trajetória, isso certamente será considerado uma tragédia.

Não como o massacre que você presenciou, Sandro. Ou a morte da sua mãe. Ou até mesmo as mortes diárias de jovens negros nas favelas. Esses são limpezas. Os assassinados eram bandidos… Ou certamente virariam bandidos, se estivessem vivos. É diferente.

Espero que, onde você esteja, tenha aprendido a dormir em um colchão.

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