Hera Simões

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A Vingança

Reconheceu-a no momento em que ela entrou na academia.

Continuava a mesma de sempre: loira, alta, olhos azuis. Já chamava atenção na época da escola. Bárbara logo percebeu os olhares interessados dos treinadores. O que conversava com ela logo perdeu o interesse, um sorrisinho aparecendo no rosto enquanto observava a nova aluna.

Bárbara e Nina haviam estudado juntas no ensino fundamental. Nina era uma das garotas populares. Parecia mais velha. Era melhor amiga de uma das outras populares, uma morena baixinha carrancuda que só sorria para os professores ou suas amigas. Bárbara, uma vez, esbarrou na sua mesa e quase derrubou seu caderno. Ao pedir desculpas, a morena só a encarou feio antes de voltar a fingir que Bárbara não existia. Até hoje, a garota não conseguia entender como pessoas assim podiam existir. Ou será que dizer "tudo bem" era baixo demais para alguém como ela? Bonita, endinheirada, popular? Quando você é assim, você não precisa ser educado?

Mas Nina era simpática. Vivia sorrindo. Uma vez disse à Bárbara, quando as duas estavam participando de uma competição de inglês na escola, "continuamos amigas, né?". Elas nem se conheciam direito, nunca haviam sentado para conversar e, ainda assim, quis garantir um bom relacionamento com Bárbara. Isso a emputecia muito mais do que qualquer cara feia.

Certa vez, ouviu a conversa de Nina com alguns dos garotos da sala. Eles diziam que uma viagem à praia seria legal. Nina então disse "vocês só querem ver a gente de biquíni!". Bárbara ficava estupefata com isso até hoje. Então era possível ser confiante o suficiente para achar que alguém gostaria de te ver usando biquíni? Ninguém nem olhava para ela na escola. Para os garotos, era uma aberração; quando queriam rir de alguém, diziam que Bárbara era apaixonada por ele. Para as outras garotas, não existia. Suas próprias amigas não gostavam dela. Em uma aula de educação física, uma garota sussurrou para a outra: "joga a bola na Bárbara". Dito e feito. Ninguém nem riu, porque ninguém reparou. Bárbara fingiu que não ouviu.

Mas Nina era simpática! Não era possível isso. Você não pode ser bonita, ter as melhores notas da sala, ser popular, e ainda ser simpática. Bárbara preferia a crueldade das outras garotas. Pelo menos eram sinceras.

Não gostava de pensar nisso, mas não tinha escolha. Nina estava lá, toda sorridente, papeando com um dos treinadores. Bárbara ouvia metade da conversa. Ela sempre gostou de fazer exercício, mas estava parada há alguns meses. Havia se mudado para a vizinhança recentemente. O treinador acenava a cabeça, prestando atenção, tentando disfarçar o olhar que percorria pelo corpo da loira.

Ela nem era corpuda! Nunca havia sido! Sempre foi magra. Bárbara também, mas agora, com a academia, estava ganhando forma. Seus braços estavam ficando definidos; sua bunda, pela primeira vez na vida, estava durinha. Nina continuava magrela. Não tinha nada. Mas ninguém olhava para o corpo de Bárbara.

Como não queria que a ex-colega a visse (se bem que duvidada que ela a reconheceria), virou de costas e focou no seu exercício, fingindo não prestar mais atenção na nova aluna. Mas não parava de pensar em Nina. Vou me vingar, pensou. Se vingar de quê, exatamente, não tinha certeza. Nina nunca havia feito nada de errado com ela. Nunca jogou nenhuma bola na sua direção. Nunca riu de sua aparência. Nunca havia espalhado fofocas sobre ela. Ainda assim, Bárbara queria vingança.

De soslaio, olhou para Nina, que estava no leg press a certa distância de Bárbara. Depois, se olhou no espelho. Estava bonita, não estava? A bunda arrebitada. As pernas continuavam magras, mas já tinham certa forma. Com certeza mais do que as de Nina. Era outra garota. Não... Era uma mulher agora. Nina também era mulher? De certo. Mas ela sempre pareceu mais velha. Com 20 e tantos anos, já parecia estar na casa dos 30. Bárbara não; sempre pareceu mais nova. Ainda tinha cara de 18. Ninfetinha. Era diferente agora. Não precisava mais ter vergonha da sua aparência.

Ia se vingar, sim. Mostrar à Nina que era bonita agora. Que havia descoberto que era inteligente. Que tinha corpo. Não era aquela esquisitona de antes. Bolou um plano enquanto começava o seu quarto set; iria se aproximar de Nina, demonstrar amizade, convidar para um café. Aos poucos, seduziria a garota. Sempre tinha tido uma certa tara por meninas hétero. Conseguiria quebrar Nina, tinha certeza disso. Garotas assim são doidas para explorar a sexualidade e isso é melhor ainda se ocorrer com uma garota mais feia. É uma forma de rebeldia, é fácil escandalizar as amigas e a família desse jeito. Se duas meninas bonitas e hétero trocam uns beijinhos, quem é que se importa? A rebeldia tem que ser feita com uma sapatona de verdade.

Mas essa seria sua vingança? Só ficar com ela? Bem, poderia filmá-la. Ameaçá-la com vídeos íntimos. Mas Bárbara não é esse tipo de pessoa. Será?

Olha para Nina novamente. Por que é que iria se vingar mesmo?

Quando olhava para ela, voltava a ter 12 anos de idade. Não importava que mais de dez anos haviam passado, ou que ela nunca mais havia falado com qualquer pessoa daquela maldita escola. Era uma criança, uma garota. Tinha cabelos sujos e bagunçados. Usava aparelho e óculos. Seus óculos, como um colega uma vez disse, a fazia "parecer uma mosca". Suava demais, então tinha que sempre manter os braços para baixo, se não o suor ficaria aparente no uniforme. Não tinha amigos. Ninguém gostava dela. Só o cachorro.

A culpa não era de Nina. Mas Nina trazia tudo isso. Nina ainda tinha 12 anos também, e ainda parecia mais velha, e ainda tirava as melhores notas da sala, e ainda era próxima demais de um dos professores. Por isso Bárbara ia se vingar. Como ela ousava reaparecer na sua vida depois de tantos anos? Por que não poderia ter ficado lá atrás, no passado? Bárbara não queria saber como Nicole estava. Conseguia adivinhar. Com certeza trabalhava em algum lugar incrível, viajava muito, namorava um outro loiro de olhos claros. Tinha dinheiro para faculdade particular, mas ainda assim passou em alguma federal dificílima.

Bárbara não queria saber disso tudo, não precisava saber.

Passou a academia inteira pensando, remoendo, com raiva. Mal viu o tempo passar. Fez todos os sets com a precisão de uma sociopata.

Quando o treino acabou, observou Nina pegando suas coisas, dando um sorriso de adeus aos treinadores. Era sua hora. Tinha que partir pro bote.

Mas não conseguiu. Não se mexeu. Ainda tinha 12 anos. Observou Nina, bonita, alta, loira, indo pegar suas coisas. Mal havia chegado e já tinha feito amizades. Brincava com os outros alunos, falava de sua vida, fazia perguntas. Bárbara estava treinando nessa academia há quase um ano e nem sabia o nome de ninguém. Ninguém havia perguntando o dela, também.

Sentiu-se na escola novamente, na sala de aula, observando a outra, escutando as conversas ao seu redor, sem nunca participar de alguma. Sem ninguém perguntar por ela ou se interessar por sua opinião.

Deixou Nina ir embora em silêncio. Qual possibilidade era pior: que Nina nem havia a percebido, ou que a viu, mas não reconheceu seu rosto?

Decidiu ir para casa.

Nota da Autora:

O bullying é um trauma que te marca para sempre. É impressionante.

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